sábado, 21 de novembro de 2015

Vestígios

Sinto na tua camisa lavada,
neste tecido que abraço
a tua pele marcada,
do teu corpo que adormeceu
vencido pelo cansaço,
descansando sobre o meu.
Lanço o olhar àquela hora
em que o teu respirar se perdeu
no meu peito que agora
respira triste sem o teu.
E sobre este tecido que aperto
cai uma lágrima cansada
como um grito que cai certo
na tua camisa lavada!


Fernanda R. Mesquita










Tempo de alma

Ai! O nosso tempo esfuma-se nesta distância fria
E eu vou morrendo triste, em desalento,
restos mortais de uma flor que em melancolia
se desfaz no ar ao sabor do tempo.

Que romântico delirío, que desengano
quereres segurar o tempo, que sonho vão
quando se podem contar os dias num ano
em que eu sinto a tua mão na minha mão.

Um dia estarei velha desfiando o novelo
Do tempo que passou e não atendeu ao meu apelo.
Velhinha, sentada na porta olhando o horizonte distante,

Tentando ver-te a ti, também já velhinho, pois...
Ou será que o tempo dará tempo a nós dois
De vivermos, ainda jovens, este amor por um instante?

Fernanda R. Mesquita










sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Lágrimas


Gotinhas húmidas e transparentes
queimam o meu rosto cansado!
Mas não são lume!
São lágrimas fortes e quentes,
são um grito silenciado
num silencioso queixume.

São um livro fechado
tão quase depois de o abrir,
são o poema inacabado
que a meio quis partir.

E nessa lágrima transparente,
nesse silencioso queixume,
morreu o sorriso inocente
numa gotinha quente
que queima sem ser lume!

Fernanda Rocha Mesquita
















Fernanda R. Mesquita nasceu em Torres Vedras, Portugal em 1961.Vive actualmente na cidade de Edmonton no Canadá.






`` Vivi várias realidades; a algumas, àquelas de péssima índole,
 cheias de códigos maliciosos e de raízes malignas... voltei as costas.
Depois de uma regularidade excessiva  em campo de batalha,
entendi que não falávamos a mesma língua...
E como não queria viver na sombra ou em permanente conflito,
consumida por ódios e lágrimas, converti-as ao isolamento.
Tranquei a porta,  pregando eu mesma, tábua a tábua...
(Senão,  não me sobraria tempo para viver e amar.)
Agora sei que morrerei nova, ainda que morra com cem anos de idade!``
Fernanda R. Mesquita



Retirado do site  escritas org.

Poemas de Fernanda R. Mesquita - Escritas.org





Um mundo gigante

O sol entre os telhados,
as andorinhas nos ninhos dos beirados...
-O vento tem coração?- eu perguntava.
-Tem-dizias- assim como os teus olhos têm borboletas a brincar.
A chuva quente de verão
em pingos grossos que desbotavam o chão,
que provocavam um cheiro morno no feno
e refrescavam a urze
onde brincava a abelha
num zumbido sereno.
As nuvens têm abraços?
- Têm-dizias- porque os teus olhos são duas folhas tenras.
A formiga trabalhadeira,
incansável, laboriosa
e a cigarra  cantadeira
teimosa preguiçosa.
Na lua existem flores?- perguntava eu.
-Sim- dizias tu-  porque o teu coração é um pintor.
A tua navalha descascava a maçã 
que partias em quatro pedaços
e davas-me um a um...
Posso ter sete vidas como o nosso gato?
- Podes- dizias tu- se não esqueceres o eco das serras em primavera
 quando te fizerem prisioneira num campo de guerra.
A lagartixa aparecendo e desaparecendo
entre as pedras da casa do cão,
que incomodado saltava e gania
tentando matar a pulga que o mordia.
-O mundo aqui é tão gigante!- exclamava eu extasiada.
- Sim, lá fora é uma gaiola.
Hoje, eu sei o quanto essa tua divagação, não foi exagerada.

Fernanda R. Mesquita